terça-feira, 19 de agosto de 2008




Define-se auto-ajuda como um processo de conhecimento interior, que torna o sujeito capaz de conseguir mudanças de comportamentos indesejáveis e atingir objetivos pessoais em curto prazo, utilizando-se basicamente de uma programação mental (pensamento positivo), aplicando técnicas e práticas de exercícios específicos.
Como todo produto social, a literatura de auto-ajuda deve ser entendida dentro do seu contexto histórico-político-cultural.
Numa sociedade como a nossa, a tecnologia e a massificação igualam todos os seres humanos ao mesmo tempo em que tira deles a possibilidade de desenvolver um caminho próprio, e os torna individualistas. Este é um caminho proposto pela auto-ajuda. Sozinho se é capaz de implementar mudanças significativas que podem melhorar a qualidade de vida de cada um, não visando uma melhora coletiva muito menos subjetiva, mas sim ao nível de indivíduo. O importante é manter o indivíduo, para garantir a alienação do sujeito.
Através deste processo de se ensinar como as pessoas devem reagir sob a influência de diferentes estímulos, há a possibilidade de manipulação de si mesmo. Utilizando-se da imitação, pois se deu certo com outros, também dará certo comigo, só é necessário achar aquele problema semelhante ao meu (a identificação demanda muito menos esforço do que a busca constante da identidade e da integridade).
Enquanto esse tipo de psicologia é viável economicamente para uma ideologia produtora de ilusão, é prejudicial aos seres humanos na medida em que aumenta sua alienação (individual, social, histórica, econômica e cultural).
Para a literatura de auto-ajuda, o EU possui poderes irrestritos sobre a mente e é capaz de transformar os padrões de pensamento do indivíduo, capacitando-o a conseguir os objetivos propostos (o retorno do paradigma cartesiano - domínio da razão). Assim a literatura de auto-ajuda contraria os pressupostos aceitos pela psicanálise. O que parece é que esta literatura está baseada em dogmas com uma lógica própria, tendo como contexto, ainda, o universo de crenças culturais.
Aproveitando-se da crise do homem moderno, que tanto investiu na ciência, na tentativa de ver solucionados todos os problemas (sócio - político - econômico e existenciais), e não tendo obtido êxito na solução desses problemas, as teorias de auto-ajuda pretendem dar conta de problemas reservados às outras ciências, valendo-se de recursos explicativos que, ao contrário das teorias científicas, contêm elementos místicos, religiosos ou supersticiosos, que não se constituem como uma experiência nova no campo da intervenção psicológica, mas ao contrário, veiculam um tipo de conhecimento fundamentado na visão liberal de homem, que possui como valor central o individualismo.
O que se encontra subjacente nessas teorias é a ideologia liberal. Dentro dessa ideologia, a liberdade humana é reconhecida apenas para se lhe atribuir a causa da perdição humana. Curiosamente a salvação implica justamente em abrir mão de forma absoluta dessa liberdade, transferindo-a a autoridade religiosa com toda a boa-vontade e determinação (Santo Inácio antecipa, de forma espantosa, alguns dos mais importantes pensadores do século XVII: Descartes e Hobbes; mais perto de nós, antecipa também as psicologias de auto-ajuda e ainda alguns cultos religiosos e procedimentos de Marketing).
Desta forma evidencia-se que a literatura de auto-ajuda no ocidente é um fenômeno existente há aproximadamente 400 anos e que parece aproveitar-se das brechas que permanecem nos momentos de crise mais decisivos da história sócio-política - econômica e cultural do homem. Nesse sentido, poder-se-ia adquirir a noção ilusória de ser um fenômeno extremamente contemporâneo, pois vivemos num período de crise, de globalização, de questionamento das nossas referências, dos nossos paradigmas. Compreende-se esse fenômeno hoje, como sendo reflexo dessa sociedade cibernética, consumista e conflituosa, onde o ser humano é valorizado por seus resultados, por tudo aquilo que produz (ou pelo que deveria produzir), contribuindo assim para a massificação, racionalização e mecanização do cotidiano. A literatura de auto-ajuda, com um discurso veiculado para a criatividade e a liberdade total, na verdade exclui formas de expressar a criatividade e a vontade pessoal; seu pressuposto básico de que todos somos iguais, temos as mesmas chances, as mesmas capacidades, as mesmas necessidades; de que estamos em condições de igualdade em todas as dimensões, basta querermos admitir nossa impotência frente a um Poder maior e seguirmos as regras daqueles que já trilharam o caminho que desejamos para alcançarmos a felicidade. É a própria negação da subjetividade do indivíduo. Isto impossibilita o indivíduo de conseguir imprimir sua marca pessoal em suas relações tanto pessoais como profissionais. É uma forma de manter a ilusão de liberdade e de singularidade de cada um, em vez de compreender e explicar o que há de ilusório nessas idéias, pois ocorre a submissão a um conjunto de regras de gerenciamento da própria vida. É a alienação da consciência do homem enquanto autor de seu próprio destino.


Miriam Moreira de Mello

Psicóloga, com Curso de Especialização em
Psiquiatria e Psicologia Clínica da Infância,
pela FCM – UNICAMP, Mestrado em
Psicologia Clínica pela PUCC e Doutorado
em Educação Física, na área de Educação
Motora, pela UNICAMP.

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