segunda-feira, 23 de março de 2009

Porcelain


Porcelain

Tamborilar de uma garoa fria na janela. Odor forte do café invadindo as narinas. Noite mau dormida de espectativa, corpo dolorido, torcicolo. Domingo é um dia maldito. Levantei-me cambaleante. Gosto amargo na boca. Olhos queimavam numa angustia de sono.
Eram dez horas. O céu estava encoberto por nuvens caliginosas. Ribombar dos trovões. Faz-se ouvir estrondo nas vidraças.
Incrivel como o cenario parecia desenhar-se especialmente para a ocasião. Criar toda uma ambietação lugubre de melancolia. Vestir-se de luto. Lufada de ar soporifero num final de tarde.
Passei pelos meus pais a mesa tomando seu desjejum. Dei um bom dia rouco numa pronuncia entre dentes. Passos arrastados até o chuveiro. As ideias todas ainda adormecidas.
Banho quente. Neurônios em ebulição sob a cabeleira longa e ressecada. Espessa nevoa embaça o espelho do armarinho. Masturbar-se. Desligar o chuveiro. Enxugar-se numa velha toalha felpuda e carcomida. Seguindo a mecânica do cotidiano.
Deposito os olhos no espelho coberto pela cortina de vapor. Com o indicador esquerdo rabisco nele um passaro caricato. Eu mesmo desdenho as coisas que crio antecipando julgamentos alheios. Apago-o assim como quem dissipa ideias tolas numa mente fertil.
Revela-se por baixo a imagem de um moribundo descarnado a me fitar. Aquele sou eu. Barba espessa de semanas infindaveis. Brilho fugaz de consciência na iris. Nenhum sinal de sabedoria, de potencia sexual e muito menos status.
Falta de higiene, desleixo.
Ergo as sobrancelhas o maximo que posso. Mostro a lingua. Caretas sem nexo. Musculos do rosto retorcidos numa dança pueril.
Não sou hippie. Maconheiros de merda. Tão aturdidos em seu ninho caotico de filosofias emprestadas. Uma miscelânea confusa, cinzenta e amorfa de ideias que rasteja num caminho sem rumo. Visão embaciada pela fumaça. Socialismo anarquista de mãos dadas com o hinduismo. Passear por campos de guerra com um sorriso trêmulo. Flâmulas da paz sujas de sangue. Terminam engolidos por um sistema intrinseco que cunha a pele. Escravos da sociedade e seus valores tradicionais num enorme rebanho. O mundo nada tem de bonito. Poeira numa imensidão de materia escura que ninguem compreende.
Amor. Truque ardiloso da natureza pra enganar a si mesma. Somos escoria num universo em expansão. Infinito. Que consciência forjada é essa em que existo?
A violencia vos libertará.
Um pensamento que reverbera vindo sabe-se la de onde. Toca um sino numa furia de ranger de dentes.
Olhos opacos fundos e cansados nas orbitas. Sinais de uma velhice antecipada. Personagem obscuro de uma historia em quadrinhos cult. Sou eu.
Nada me interessa. A loucura preenche os espaços vazios.
Quando dou por mim estou fazendo uma careta idiota pra mim mesmo. Apaga-se a faisca de uma percepção que se ausenta cada dia mais. O titere suspenso por fios invisiveis.
Vivo da boa vontade dos meus pais que me suportam.
Por obrigação genetica. Afinal não sou eu a continuidade de sua finita existência? Segue-se a logica da reprodução maciça que permeia a Terra.
Alvorada de uma verdade que me coça a carne. Prurido. Febre terçã. Insônia. Angustia de morte.
Sento-me a mesa quando todos ja sairam. Estrangeiro dentro da casa em que nasci. Inseto preso na claustrofobia de seu casulo tênue. Temeroso.
Obeservo aquelas coisas todas ali dispersas a minha frente como se enxergasse o sobrenatural. Talheres, xicaras, açucareiro, pães, queijo e presunto. Café, suco de laranja. Um maço de Marlboro e um cinzero repleto de cinzas e bitucas esmagadas.
Ladrão cheio de macula num altar com oferendas santas.
Levanto-me sem tocar em nada.
No cubiculo hermetico que é meu quarto abro o guarda roupas. Olho para aquelas camisetas todas ali em seus cabides, dispostas como pedaços de carne penduradas em um frigorifico. Perco ali alguns minutos indeciso.
Melhor por uma musica.
Sobre a escrivaninha um maço de Free. Acendo um cigarro sem muita convicção.
Engenhosidade moderna me permite ter milhares de discos numa especie de jukebox. Sim.
Meu computador é uma jukebox mesclada a uma máquina de escrever. Nada da idiotice dispensada aos sites de relacionamentos. Emprego meu tempo entre escrever resenhas sobre o que mais gosto(fazendo exatamente o que gosto) e as mesas de sinuca do boteco.
Musica.
Minha paixão. Sem ouvidos eu não teria vida.
Nietzsche disse corretamente: "Sem a música, a vida seria um erro."


"In my dreams I'm dying all the time
As I wake its kaleidoscopic mind
I never meant to hurt you
I never meant to lie
So this is goodbye
This is goodbye

Tell the truth you never wanted me
Tell me"

(Moby - porcelain)



-sobre Radiohead SP

Dia 22/03/2009. São Paulo caotica num domingo de classico. Santos e Corinthians se enfrentavam no Pacaembu. No banco passageiro eu tentava conter minha frenesi com goladas de vodka e gelo. Não pelo jogo. Mas pela iminência do que presenciaria. Trinta mil pessoas vivenciando duas horas de uma catarse coletiva.
Garoa fina no caminho. Estomago gritava enviando seus sinais ao cerebro. Paramos.
Estavamos entre cervejas e quitutes num restaurante beira de estrada. Falamos dos Beatles e Oasis e da falta de icones no mundo de hoje. Ouviamos Cachorro Grande com saudosismo melancolico dos anos maravilhosos do rock'n'roll.
Por volta das cinco horas adentramos o lugar.
Cigarros tragados profusamente. Ansiedade corroendo o espirito.
Embriagado disolvo na lingua o que pra mim não passaria de papel. Dentro do cerebro estimulo da alegria.
As 22:00 de um domingo cinzento de ceu nublado, tive a maior experiência da minha vida ate aqui.

set list SP:

15 Step
There There
The National Anthem
All I Need
Pyramid Song
Karma Police
Nude
Weird Fishes/Arpeggi
The Gloaming
Talk Show Host
Optimistic
Faust Arp
Jigsaw Falling Into Place
Idioteque
Climbing Up The Walls
Exit Music (For A Film)
Bodysnatchers

Bis 1
Videotape
Paranoid Android
Fake Plastic Trees
Lucky
Reckoner

Bis 2
House of Cards
You and Whose Army
Everything In Its Right Place

Bis 3
Creep

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