Texto retirado do excelente blog: cyn city
PROIBIDO FUMAR (MESMO EM CASA, OU AO AR LIVRE, OU EM CUBATÃO) ?
Então parece que eu realmente voltei a fumar. E exatamente do mesmo jeito que há vinte e tantos anos : um dia, um traguinho só por diversão, o traguinho dando aquela tontura gostosa de quem não está acostumado, aí mais um aqui, outro ali, e pá, quando a gente vê, já está comprando maços de novo e ficando preocupada quando fica sem. Não sei se é vício – se fosse, talvez eu não tivesse conseguido, em certa ocasião, parar de uma vez e por uns dez anos -, mas a verdade é que eu gosto. Fumar me dá motivo pra sair da sala, ou da agência, ou de qualquer lugar onde a deletéria fumaça de um cigarro possa incomodar loucamente ou envenenar mortalmente outras pessoas, normalmente delicadas flores que cheiram fumaça de óleo diesel aos quilos todo dia, se entopem de picanha cancerígena e aterosclerogênica e bolachinhas recheadas com gordura trans sabor artificial de morango, flertam - flertam nada, trepam, em todas as posições listadas pelo kama sutra e em mais 17,5 ainda em fase experimental e não aprovadas pelo F(o)DA - com a cirrose e fodem com a paciência dos circunstantes através do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e do uso extremamente parcimonioso do próprio superego e de qualquer migalha de educação que suas mães e pais lhes tenham dado, tomam remédios pra emagrecer que as deixam maníacas e agressivas ou ansiolíticos que as deixam lerdas, burras e sonolentas, piram na ortorexia sem contemplar a quantidade de pesticidas, hormônios sintéticos e transgênicos existente em suas verdurinhas, frangos atropelados e grãos super saudáveis, ou seja : o cigarro não deixa de ser uma espécie de arma anti-mala histérico-hipócrita-burro, uma desculpa para a solidão, um repelente contra representantes da juventude sadia-e-dourada e da velhice apavorada ao mesmo tempo, com o ganho extra de que até as criancinhas ultra-chatas também são incentivadas a sair de perto do dragão cospe-fogo que insiste em não embarcar nesta forma de histeria, discriminação e perseguição em particular. Infelizmente, por outro lado meu pobre Marlboro mentolado atrai também a forma de vida mais baixa do my own private livrinho de biologia : o chato saudável que só quer o seu (ou, no caso, o meu) bem (sem que ninguém lhe tenha pedido, ou permitido, tal preocupação, mas isso pra ele é detalhe sem importância) e portanto não pode deixá-lo se envenenar sozinho e em paz no seu canto, sem se sentir instado por Deus e o destino a vestir sua capa sagrada, pegar a espada de fogo e a auréola de santo e vir encher o saco, seja com dados e estatísticas sobre as mortes causadas pelo cigarro, seja com gracinhas imbecis sobre fumantes serem fedidos ou, pior ainda, sacar da originalíssima piadinha da década de 70 do século passado (sem graça desde então) e perguntar se ele pode fazer xixi em mim, já que supostamente o xixi, e não a perda da noção, do equilíbrio, do bom senso, da coordenação motora e da capacidade de entender quando não é bem-vindo, é que é o “lado ruim do prazer de beber”. Eu sei que cigarro faz mal, assim como sei que praticamente tudo o que eu respiro, como, bebo, ingiro como remédio ou passo na pele como hidratante também faz. Da mesma forma como tantos desses chatinhos health-crazed sabem que a AIDS ainda mata, mas preferem acreditar que não porque não gostam de usar camisinha, ou desconfiam que talvez morar sob torres elétricas lhes cause câncer, mas não estão dispostos a procurar outra casa ou a criar caso com as companhias que fornecem eletricidade (ou a indústria alimentícia, ou automobilística, ou eletrônica E ATÉ A tabagista, enfim : com corporações grandes, poderosas, bilionárias e cheias de advogados.). Normal, né ? Muuuuito mais fácil, prático e econômico pegar no pé ou torrar as gônadas da pessoa física indefesa, ou seja, do pobre coitado fumante mais próximo. A pessoa supre sua necessidade vital de se sentir superior à malta ignara, dá um tapa gostoso no seu complexo de santa, elimina qualquer desconfiança de estar sendo um prego com a justificativa de estar sendo altruísta (heh) e não gasta um tostão nem compra briga com alguém que possa reduzi-la - e aos seus argumentos - ao pó de traque que, no fundo, ela já sabe que é. Eu sei que, com a minha saúde já em declínio há um bom tempo, em algum momento vou ter que parar de fumar novamente, de preferência de uma vez por todas, e provavelmente farei isso. Mas farei quando e se quiser, porque eu quero, e não porque bobos manipulados de diversos tipos que gostam de se sentir superiores a mim porque não fumam me dizem que eu devo. E finalmente, porque ao contrário de todos esses gênios da raça, eu já percebi que fumando ou não, bebendo ou não, comendo ou não transgênicos, gorduras saturadas e o escambau, eu – e oh, sim, todos eles também – certamente vou morrer um dia, e não tenho o menor controle sobre quando ou como. Uuuuhh, pensamentozinho desagradável, né ? Tem gente que acha melhor nem lembrar disso, ou, se a lembrança surgir, beber pra esquecer. Eu prefiro acender um cigarro... e pensar a respeito. Pensar, sim, é um vício, e deste eu não quero me livrar nunca.
Escrito por Cynthia às 17h27
Conheçam o blog:
http://cyncity.zip.net/
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